img

O Divino Espírito Santo da antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade de Pará de Minas


Por Ana Maria Campos*

“A lembrança da velha Matriz ficou gravada no coração do paraense [gentílico já utilizado para quem nasce em Pará de Minas]. Nem poderia ser de outra maneira, pois foi lá que aconteceram os fatos mais marcantes da vida de cada um de nós.”1

O pesquisador Mário Luiz Silva assim inicia o livro A Velha Matriz, de autoria dele, preciosa obra de resgate das memórias e da importância desse templo religioso para a comunidade de Pará de Minas.  A história da antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade, demolida em 1971 devido à grande degradação do seu estado de conservação, atestado por engenheiros e arquitetos, está profundamente ligada à história de Pará de Minas.

A construção do antigo templo religioso teve início em abril de 1899, obra inicialmente coordenada pelo Padre Miguel Vital de Freitas Mourão, coadjutor do Vigário Paulino Alves da Fé, que contratara para o serviço o italiano Michel Michelini.2  A obra foi uma reforma do templo anterior. O livro de Mário Luiz Silva, A Velha Matriz, fornece informações importantes:
“(...) a velha Matriz resultou de uma reconstrução da primitiva de duas torres [construída entre 1841 e 1849] de estilo barroco, de madeira e barro que existiu até fins do século passado [Século XIX] e que foi a primeira Matriz da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade do Pará. Ao que tudo indica, do antigo templo foram  aproveitados o altar da Padroeira [grifo nosso], e teto da capela-mor, parte do assoalho,   a pia batismal, os 4 sinos, a grade que separava a nave principal da capela-mor, o lustre de  cristal e o madeiramento”.3

Substituindo o Padre Miguel Vital na condução das obras, Padre José Pereira Coelho, conhecido como “Padre Zeca”, nomeado em 1900,  coadjutor do Vigário Paulino Alves da Fé, concluiu o trabalho e a nova Matriz foi inaugurada na virada dos séculos XIX para o XX, dia 1º de janeiro de 1901. A edificação religiosa passou por outras reformas e ornamentação do interior, e em abril de 1971 foi demolida.

A pomba representativa do Divino Espírito Santo, que ornamentava a área central superior da parede do altar-mor, lá se encontrava há muitos anos, como se infere no relato acima do pesquisador Mário Silva, grifado por nós, e também por fotografias antigas do acervo do Museu Municipal, vistas abaixo.

A pomba dourada, no centro de talhas policromadas, foi uma das peças que foram removidas e resguardadas pela Paróquia Nossa Senhora da Piedade, assim como as telas pintadas pelo artista alemão Wilhelm Schumacher, que decoravam internamente a Matriz, entre outros ornamentos.

O Divino Espírito Santo ficou guardado em um quartinho localizado na torre da nova Matriz que estava sendo concluída. Mesmo após a conclusão das obras e sagração da nova Matriz em 1972, lá permaneceu por muitos anos.4 Na década de 1990 o então Vigário Padre Gabriel Hugo da Costa Bittencourt encaminhou a peça sacra para a Diocese de Divinópolis5, cuja sede episcopal é a Catedral do Divino Espírito Santo.  Tal peça representa, assim como as outras que ornamentaram a antiga Matriz, a memória dessa Igreja, a primeira de Pará de Minas, e sua lembrança permanece viva na coletividade. Esse templo religioso marcou gerações, pois para suas práticas religiosas os habitantes de Pará de Minas frequentavam a antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade.

Agora, no dia 28 de março de 2018, a importante peça retornou à comunidade a qual pertence, Pará de Minas, graças à junção de esforços da equipe técnica da Secretaria Municipal de Cultura e Comunicação Institucional, coordenada pelo interesse e esforços de José Roberto Pereira – diretor de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura. José Roberto Pereira é Licenciado em Letras pela Faculdade de Pará de Minas, professor, ator, diretor teatral e dramaturgo; é colunista semanal do Jornal Diário de Pará de Minas e autor dos livros infanto-juvenis "As Aventuras da Formiguinha Tonhonhõe" – Mazza Edições/2006; "A Joaninha e a Margarida" – Mosaico Negócios Editoriais/2008; “O Craque/ck – Penninha Edições/2013; e “O som das Minas: nas anotações de Malluh”– Mosaico Produção Editorial/2016; é também coautor do livro “Pará de Minas, meu amor – 150 anos de história e estórias/2009. José Roberto também realiza trabalhos na televisão e no cinema.

Atualmente, José Roberto Pereira está concluindo um livro biográfico sobre Padre Libério Rodrigues Moreira, considerado um santo por milhares de devotos dele, oportunidade em que teve que pesquisar na Diocese de Divinópolis, onde teve acesso ao Bispo Dom José Carlos Souza Campos (primeiro encontro em 9/2/2017), e consequentemente ao Padre Helton Ferreira Rodrigues – responsável pelo Patrimônio Cultural da Diocese de Divinópolis (primeiro encontro em 6/12/2017), e em seguida ao Arcebispo Dom Gil Antônio Moreira – integrante da comissão sobre a preservação dos Bens Patrimoniais da Igreja – Regional Leste II, e já foi membro do CONDEPHAAT do Estado de São Paulo – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (primeiro encontro em 17/1/2018).

Em encontros com os religiosos acima citados, José Roberto abordou a possibilidade do retorno da peça sacra para Pará de Minas.6 Pereira teve conhecimento dessa importante peça sacra em meados de 2009 quando eu (Ana Maria Campos) repassei a ele tais informações históricas em uma das reuniões na Secretaria de Cultura. Oportunamente, retomando o assunto em janeiro de 2017, também em reunião administrativa da Secretaria de Cultura, novamente abordei sobre a peça e a autoria da mesma.

Abaixo seguem as informações repassadas a José Roberto e que fundamentaram o retorno do precioso acervo sacro:

O que sabemos sobre a escultura do Divino Espírito Santo em madeira policromada em dourado e em tons de azul, que ornamentava o altar principal da antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade, foram a mim transmitidas por Silvestre Pereira Coelho (Vete) durante uma das visitas que fez ao Museu Histórico de Pará de Minas. Mas, quem foi Silvestre Pereira Coelho (Vete), cujas informações merecem tamanha credibilidade?

Silvestre Pereira Coelho (Vete, 1920 †2014), funcionário público estadual, filho de Osório Pereira Coelho (*1873 †1945,  sacristão da antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade) era sobrinho do Padre José Pereira Coelho (Padre Zeca, 1868 †1940,  Vigário da Paróquia Nossa Senhora da Piedade, em Pará de Minas, de  01.11.1906 a 05.07.1940, quando faleceu).

Silvestre (Vete), era também sobrinho do Padre Silvestre Pereira Coelho (1901 †1915, que era coadjutor do irmão Padre Zeca), nasceu e viveu nas imediações da nossa antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade, frequentando-a até a demolição dela em 1971. A Casa Paroquial também foi muito frequentada por ele, principalmente na época do tio dele Padre Zeca, Vigário da Paróquia, e dos sucessores, já que a mãe dele e as tias cuidavam da Casa Paroquial e das vestimentas dos padres.

Essas informações iniciais objetivaram enfatizar a religiosidade em que Silvestre Pereira Coelho (Vete) nasceu e vivenciou.

Vete visitava o Museu Histórico de Pará de Minas esporadicamente, mas a partir de 2010, ele, que era também genealogista da família, tendo deixado precioso registro dos descendentes de Antônio José de Melo, bisavô dele, passou a frequentar o Museu com maior assiduidade. Tais visitas oportunizaram-me longas conversas com ele sobre a antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade. Eu, como funcionária do Museu desde 1987, pesquisadora da história de Pará de Minas e diretora da entidade museológica, já recorria à memória dele em algumas ocasiões, sendo prontamente atendida e, nessas visitas dele ao Museu, indagava-o sobre temas variados. Ele não gostava que as nossas conversas fossem gravadas. Alegava que o gravador o inibia. Poucas vezes consegui gravar nossas conversas deixando o equipamento ligado em cima da minha mesa e, assim, pude realmente perceber a timidez dele.

Em uma dessas ocasiões, Vete contou-me que a pomba dourada, esculpida em madeira, que ficava localizada no centro de talhas igualmente douradas que encimavam o retábulo do altar-mor da antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade, havia sido feita por Adão – um dos escravos de Antônio José de Melo, bisavô paterno dele. Antônio José de Melo (*1800 †1861,  foi vereador na 1ª Câmara de Pará de Minas, empossada em 20.09.1859. Foi também, em 1835, secretário da Sociedade Juvenil Defensora da Constituição e Liberdade – agremiação do arraial do Patafufo, atual Pará de Minas; escrivão do Juízo de Paz; Juiz Municipal dos Órfãos; tropeiro; comerciante a partir de 1840).

Mediante o exposto, que enfatiza o meio religioso em que Silvestre Pereira Coelho (Vete) viveu, além da sua conduta familiar, social e profissional irrepreensíveis, não há por que duvidar da informação que ele repassou-me.

As informações acima foram inseridas na correspondência enviada ao Bispo Dom José Carlos Souza Campos, em 21 de dezembro de 2017, assinada pelo Prefeito Elias Diniz, pelo Secretário Municipal de Cultura Paulo Augusto Teixeira Duarte, pelo assessor de Cultura José Roberto Pereira e por mim, solicitando ao Bispo da Diocese de Divinópolis, a qual pertencemos, a devolução da peça Divino Espírito Santo em Termo de Comodato, representativa da religiosidade e da fé do nosso povo, além de ser, até o momento, o primeiro exemplar artístico genuinamente criado e confeccionado em Pará de Minas.

Incorporando aos trabalhos da equipe técnica da Secretaria de Cultura de Pará de Minas, Padre Charley Marcelino Silva, Pároco do Santuário Nossa Senhora da Piedade, também não mediu esforços para reaver tão importante patrimônio artístico, cultural e histórico, considerado a primeira peça de arte patafufa que sobreviveu à ação do tempo, chegando aos dias atuais em bom estado de conservação. Após correspondência enviada pelo Bispo Dom José Carlos Souza Campos, comunicando sobre a devolução da peça, coube a ele trazer de Divinópolis para Pará de Minas o Divino Espírito Santo, que se encontra devidamente guardado no Santuário Nossa Senhora da Piedade.

Padre Charley será o responsável pela divulgação e proteção da referida obra e será também um importante parceiro em agosto de 2018, quando a peça ficará exposta no Museu Histórico de Pará de Minas durante um mês para uma ação de Educação Patrimonial.

Temos, portanto, muito a celebrar! Um patrimônio histórico, artístico e cultural de Pará de Minas foi recuperado! Há ainda outros que também pertenceram à antiga Matriz e que se encontram sob a guarda de paroquianos. Foram a eles entregues pelo Vigário da época, quando da demolição da antiga Matriz. O retorno do Divino Espírito Santo é acontecimento incentivador para que o mesmo aconteça com as imagens que ainda não foram devolvidas. A comunidade merece e já agradece!

Em 30.04.2018.

* Ana Maria de Oliveira Campos Varela é pesquisadora da história de Pará de Minas e dirige o Museu Municipal.

Fontes:
1 SILVA, Mário Luiz. A Velha Matriz. 1ª Edição. Gráfica e Editora Dom Bosco Ltda. Belo Horizonte, 1998. Publicação da Academia de Letras de Pará de  Minas. Página 5.
2 SILVA, Mário Luiz. A Velha Matriz. 1ª Edição. Gráfica e Editora Dom Bosco Ltda. Belo Horizonte, 1998. Publicação da Academia de Letras de Pará de  Minas. Página 22
3 Ibidem. Página 21.
4 Informação de Marieta Quirino, ex-zeladora da Matriz Nossa Senhora da Piedade, à autora, em 27.04.2018.
5 Informação de Marieta Quirino, zeladora da Matriz Nossa Senhora da Piedade, à autora, na década de 1990, quando ocorreu o fato.
6 Informação de José Roberto Pereira à autora, em 30.04.2018.

Observe a peça do Divino Espírito Santo encimando o altar principal da antiga Matriz Nossa Senhora da Piedade, em 1910 aproximadamente.

A mesma peça ainda encontrava-se no local na década de 1960. Em 1971 a igreja foi demolida.

Silvestre (Vete) Pereira Coelho com a diretora Ana Maria Campos, durante visita ao Museu de Pará de Minas, em 11.11.2010, ocasião em que também efetuou doação de fotografias e documentos.

 

 





About Us

We must explain to you how all seds this mistakens idea off denouncing pleasures and praising pain was born and I will give you a completed accounts off the system and

Get Consultation

Contact Us

Museu